Opinião por: Luana Darby
Foto: Ianca Moreira
Desde 2020, muito se tem abordado sobre os bastidores das eleições de 2022, que estão tendo uma atenção muito especial pela imprensa, especialistas e pelos principais interessados apontando para as mudanças radicais de perspectiva política, social e econômica que podem tomar. Observa-se um cenário dominado pelo conservadorismo, representado pela extrema direita que chegou ao poder em 2018, pela centro direita e direita, que cumprem com sua função fisiológica de transitar entre governos fazendo "acordos de paz" para poderem seguir em frente com seus projetos de desigualdade nos Estados e Municípios, núcleos de dominação dos representantes desses partidos, a centro esquerda e esquerda, que articulam um projeto de unidade contra as ações entreguistas e antidemocráticas da extrema direita e direita, porém, ainda não encontrou um nó que amarre os interesses de uma população que sofre com a falta de emprego, comida, saúde, saneamento básico, educação e informação de qualidade.
No Amapá, é comum as pessoas expressarem em conversas com amigos, familiares e nas redes sociais que "política no Amapá não resolve nada" e que "o poder público não resolve nada''. Não está nem aí pra população que sofre". Esse sentimento possui vários contornos e não é vão. O Estado sofre de problemas estruturais de ponta a ponta, que nunca foram sanadas. O papel de fiscalização do executivo, que deveria ser cumprido pelas Câmaras Municipais, Assembleia Legislativa e representantes locais na Câmara dos Deputados e Senado Federal, que acabam sendo reduzidas a moções, projetos e que dificilmente são concretizados; quando não, não são realmente de interesse público, ou direcionamento de dinheiro público para obras "politiqueiras", de interesse das elites locais. O afastamento da sociedade com a política é um sintoma muito crônico de sociedades com democracias consideradas relativamente novas como a do Brasil.
A exploração da Amazônia, desde o processo de ocupação do território brasileiro por Portugal e outros países europeus, certamente acentua a sensação de abandono e a falta de representação dos povos da região. A "necropolítica" desde então atua fortemente na sociedade amazônida. Quando vislumbrada uma nova constituição federal, em 1988, documento que foi considerado o mais democrático em relação às outras seis Cartas Magnas que vigoraram no Brasil, contando, de fato, com a participação de povos, sindicatos, movimentos sociais, e diversos outros públicos que apontam sua diversidade contemplativa. Contudo, no Amapá, a transição do regime para a democracia continua com a tonalidade conservadora. Não se teve grandes mudanças em relação à economia e a estrutura social. Muitas pessoas ainda passam fome e têm acesso dificultado à saúde e à educação. Os representantes de organizações e partidos progressistas logo foram incorporados à lógica elitista do Estado. Qualquer outro projeto com reais intenções de praticar a justiça social e garantia de direitos sociais foi inviabilizado, em grande medida, por empresários locais que atuam nos meios de comunicação de rádio, televisão, jornal impresso e comércio. Ao longo das duas últimas décadas, vários movimentos sociais e coletivos foram criminalizados por figuras conservadoras e elitistas do Estado. O trabalho de base, que foi deixado de lado por partidos e organizações, tem sido uma discussão muito grande entre o campo da esquerda para os próximos anos, visto que este foi um dos fatores em que a esquerda política falhou e deixou aberta para a penetração da nova direita e extrema direita com seu conteúdo cheio de "prosperidade" e com a promessa de afastamento do "velho" para o "novo", da "corrupção" para a "recuperação dos valores do brasileiro". Retórica que funcionou muito bem durante os últimos anos.
É nesse sentido que nos deparamos com questões como: será que em algum momento a população amapaense se reconheceu como parte desta terra? A identidade amazônida parece ser bastante acolhida por especialistas e cidadãos de fora, porém, ao pararmos para pensar sobre quem como a população entende a si mesma, entraremos em uma questão muito complexa e sem resposta concreta. Recorremos ao primeiro questionamento feito aqui sobre a política no Amapá. O poder político, representado por uma maioria elitizada, branca, não reconhece a diversidade sexual e social em sua plenitude, pois é pela exclusão que conseguem operar seus projetos pessoais. É pela desorganização no âmbito popular que conseguem dividir seus interesses entre seus iguais na economia do Estado.
CAMINHOS POSSÍVEIS (E DESEJÁVEIS) PARA UMA REAL REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE AMAPAENSE
As formas de combater esse aspecto social e político tão opressivo e que reduzem o cidadão como "lixo" estão nas práticas coletivas. O povo falando para o povo, sendo representado por ele mesmo, tendo condições para isso e renovação de repertório das organizações sociais. Nos dias atuais, o engajamento é muito importante para o mundo real e o mundo virtual. É importante fazer a leitura destes dois mundos que hoje se confundem para não repetirmos erros do passado. O processo de escuta é muito importante para entendermos a realidade de cada morador, cada grupo social. O processo de deslocamento territorial, que é muito dificultado por uma negligência de políticas públicas, também é uma questão a ser colocada. Muitos interiores possuem acesso dificultado a serviços básicos e acesso à informação. Pensar modos de conectar estas populações e interligarem questões relativas aos seus modos de vida é um dos horizontes que temos que alcançar. Pretos, pobres, periféricos, indígenas, quilombolas e movimentos como LGBTQIAP+, ambientalistas, de trabalhadores e moradores de conjuntos habitacionais ocupam posições muito importantes na organização social e política amapaense, e são a população que mais sofre com a falta com a omissão e a falta de respeito com essa elite que ocupa as cadeiras da política. É necessário potencializar essas vozes emergentes dentro da estrutura política, conduzir a formação política para a justiça social, financiamento partidário para futuras candidaturas dessas populações e não apenas favorecer "caciques" de partidos, podendo ser possível também o financiamento coletivo previsto pelo Código Eleitoral. É preciso pressionar por tratamento mais justo e igualitário nos partidos, movimentos e coletivos, e transformar a desinformação e o silenciamento da população amapaense em conscientização e estratégias para a pensar a vida do povo no estabelecimento de seus direitos e de reconhecimento de sua própria história. As redes sociais (reais e virtuais) precisam ser acionadas para a potencialização da representação da população. O senso de comunidade, de ação, de intervenção nos moverá a reivindicar a própria história, a própria existência, o próprio senso de poder estabelecer diretrizes para a vida política e social.
Comments