Por Luana Darby Nayrra da Silva Barbosa, Amanda Cristina Souza da Silva e Nilson Gomes de Oliveira
Candidatura coletiva Bancada Preta (REDE)/Reprodução Facebook Bancada Preta
Daremos sequência hoje à série de entrevistas com candidaturas negras da cidade de Macapá-AP, com intuito de conhecer e compreender as atividades e ações das candidatas e candidatos à Câmara Municipal de Macapá (AP).
As eleições municipais ocorreram no dia 15 de novembro em todo o Brasil, exceto em Macapá, que viveu um período de tensão e sofrimento pelo apagão em 13 dos 16 municípios, que durou 22 dias. O presidente do TSE atendeu ao pedido da Justiça Eleitoral do Amapá de adiamento das eleições para dezembro, somente na capital. O primeiro turno irá acontecer no dia 06 de dezembro, e o segundo turno ocorre dia 20 de dezembro.
Segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 276 mil candidat@s negr@s concorreram nas eleições de 2020. Dest@s, 58 mil foram eleit@s, segundo o site G1. Mesmo vigorando a lei que fez essas eleições operarem com a divisão proporcional do Fundo Eleitoral entre candidatos autodeclarados negros e brancos, apenas 18% receberam verba desse fundo, informa o site UOL, revelando o enraizamento do racismo estrutural e sistêmico na vida social e política brasileira.
A partir disso, pretendemos realizar uma análise substancial das candidaturas pretas nas eleições municipais de 2020 em Macapá, visando contribuir com a popularização de candidaturas negras no Amapá, distribuídas em legendas distintas.
A partir disso, pretendemos realizar uma análise substancial das candidaturas pretas nas eleições municipais de 2020 em Macapá, visando contribuir com a popularização de candidaturas negras no Amapá, distribuídas em legendas distintas.
Hoje, apresentamos nosso bate-papo com a Bancada Preta, do Rede Sustentabilidade (REDE), composta pela estudante Thawanna Ferreira, pelo capoeirista Jeremias Ferreira e pelo estudante Daniel Ramos. A Bancada conta com a adição recente de Odineuma Silva, dona de casa e mãe. A legenda é a primeira experiência de candidatura preta em formato de mandato coletivo em Macapá. A bancada irá refletir sobre sua trajetória, caminhos traçados e expectativas para uma Macapá enegrecida.
Esta entrevista foi feita via videochamada, respeitando as regras sanitárias de isolamento social, e antes do apagão que assolou o Amapá.
Entrevista 2 – Bancada Preta (REDE)
UTOPIA NEGRA: APRESENTAÇÃO: ORIGEM E TRAJETÓRIA D@ CANDIDAT@
Bancada Preta
Jeremias: Eu sou Jeremias, tenho 22 anos, e hoje moro no Conjunto Mucajá, mas eu nasci e me criei na vila do Mucajá. Sou filho de Oscar Santos, um dos pioneiros do bairro Santa Inês, posso dizer que ele foi um dos fundadores do Santa Inês, que é ali da orla, que depois foi remanejado para o Mucajá, que virou uma vila depois, depois a gente subiu. Desde cedo meu pai fazia projetos pra comunidade. A gente não precisava de forças de fora, mas teve um momento em que a gente precisou. Meu pai sempre lutou pra que a gente fosse uma força grande, no caso, as áreas periféricas e o Conjunto Mucajá, para que a gente não dependesse de coisas políticas. Mas teve um tempo que precisou, e nesse tempo que ele precisou, ele foi enganado. A gente costumava falar: muitas vezes porque ele juntava a comunidade pra conseguir votos pra candidatos e depois a gente era esquecido. Mas posso dizer que a trajetória política dele foi muito linda, porque meu pai conseguiu eleger muitos candidatos, e ele se candidatou, não conseguiu ganhar, infelizmente, mas posso dizer que a raiz dele tá aqui, que sou eu, hoje, em questão de política e na questão de ajudar as pessoas. A gente tem uma associação no Conjunto, onde a gente continua com o mesmo trabalho, trabalho de conseguir alimentos, coisas em datas especiais, como o dia das crianças, natal, pra pessoas que a gente sabe que não tem como conseguir alguma coisa. Nosso trabalho tá sendo muito lindo e a gente quer continuar.
Thawanna: Eu sou a Thawanna, tenho 22 anos, sou acadêmica do curso de Direito, e eu sempre fui muito envolvida na política por causa da minha família, e pelo Jeremias. Eu conhecia a mãe do Jeremias, e aí ela falou que meu avô era muito parecido com o pai dela. Não cheguei a conhecer o Oscar, mas ela achou parecido. Minha família é muito envolvida na política, minha mãe, meu avô. E aí sempre tive aquele exemplo, aquele espelho. Meu avô sempre teve muitos projetos, ele tem um bloco carnavalesco, deu oficina de batuque do marabaixo na casa dele, e eu participei junto com Daniel, e aí fui crescendo, sempre querendo me inspirar neles. Você me conheceu na igreja, você viu como eu sempre estava muito engajada na igreja, participava de todos os projetos lá, e daí veio o ensino médio, e sempre tentei fazer coisas na escola, e depois a faculdade, então a gente sempre tentou se envolver. Com 18 anos eu me candidatei, pois eu observei que podia, e pensei que a gente já podia ocupar esses espaços, e eu fiquei muito surpresa com a quantidade de votos, porque eu fui a terceira mulher mais votada do meu partido, e isso me deixou muito feliz. E eu fui continuando minha jornada, militando no movimento estudantil, militando no movimento LGBTQIA+, militando também no movimento de mulheres. No movimento negro eu não tive uma militância mais ativa, mas pude militar um pouquinho, porque eu participei do congresso da IPROIR, e aí fiz uma palestra sobre os jovens, com o pessoal do marabaixo, da juventude, e também trabalhei na CONJUV, da Prefeitura, na coordenadoria municipal de juventude. Fui a primeira mulher nomeada na CONJUV, e isso me deixou muito feliz. Depois disso, veio 2020 e aí eu pensei: acho melhor a gente propor de novo um nome. E além de mim, eu pedi para ser acompanhada dessa vez, porque eu estava bem sozinha, mas agora com eles estou muito melhor. Eu já conhecia muito o trabalho do Jeremias e do Daniel, e a gente foi conversando e viu que ia dar certo essa proposta. Perece que foi um pouco tardio essa decisão, porque a gente não estava junto na pré-campanha, a gente começou a se consolidar depois da convenção. Mas foi muito bacana todo esse processo, porque a gente se apresentou como bancada, e a gente tava representando muitas pessoas, muita gente tava se agregando ao nosso projeto de forma voluntária, queria ajudar a gente de qualquer forma, então a gente percebeu o quanto era importante esse projeto de Bancada Preta, e a gente usa esse nome porque nós somos jovens pretos, periféricos, eu como mulher LGBTQIA+, uma mulher de cabeça de chapa, então isso é muito interessante pra uma bancada.
Daniel: Eu me chamo Daniel, venho do quilombo do Curiaú, tenho 25 anos, sou acadêmico do curso de Pedagogia. Venho de uma família tradicional no Estado do Amapá, a famosa família Ramos, aonde veio a geração do ciclo do marabaixo, a gente veio também do Curiaú, onde começou um pouquinho história do Estado do Amapá e sou muito orgulhoso por isso. Tive a honra de receber o convite da Thawanna e do Jeremias pra fazer parte da Bancada Preta, e hoje estamos aqui firme e forte, graças a Deus, essa luta que não é uma luta só nossa, e sim uma luta de todo o movimento. Aqui temos o nosso nome à disposição, mas aqui atrás tem muita gente, e a gente vai seguindo em frente. Já trabalhei em algumas campanhas, mas nunca como candidato, a Thawanna já tinha sido, mas agora eu e Jeremias estamos tendo essa oportunidade, que está sendo cansativa, mas gosta de fazer. Falando um pouco de mim, já fui presidente do Grêmio Estudantil da Escola Estadual Tiradentes, por três anos consecutivos. Depois que sai do ensino médio, representei o Curiaú três vezes em Brasília, uma pelo esporte quilombola, uma pelo meio ambiente, por conta das áreas de preservação do quilombo, e também, você sendo quilombola, você já se vem representando. Eu tô muito feliz em fazer parte da Bancada Preta, pra mim é mais de que um sonho, porque a gente quer ocupar um espaço que é nosso, onde 100% da Câmara Municipal de Macapá não representa a Bancada Preta, não representa a maioria da sociedade macapaense, aonde é vergonhoso ver que a maioria da população é feminina e temos somente quatro representantes mulheres na Câmara. E dizer que estamos aprendendo, e que se der tudo certo, a partir de 1° de janeiro, nós vamos ter uma bancada para realmente trabalhar pela cidade de Macapá.
UTOPIA NEGRA: O QUE TE MOTIVA A DISPUTAR AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS?
Bancada Preta
Jeremias: A gente fala muito dos nossos projetos, que são projetos lindos pras áreas periféricas. A gente quer levar as coisas pra dentro das áreas periféricas, pois a gente sabe que é muito difícil a questão da mobilidade, de chegar até o centro, em um louca onde você não é recebido bem, ou é difícil você acessar, então é muito bom a gente levar esses projetos, onde a gente entra numa ponte, numa área periférica, e gente vê o brilho no olhar das pessoas, por conta desses projetos que estão lindos, porque a gente costuma falar que a gente voar há muito tempo, que a gente quer levar as coisas para áreas que não tem acesso, então são projetos que nós temos, com pessoas que já trabalham na área há muito tempo e a gente queria levar para outras áreas também.
Thawanna: O nosso motivo o Daniel já citou antes, de sermos jovens e não nos sentirmos representados pelo poder público, de ter poucas mulheres lá, ter só dois jovens, de não ter ninguém que reconhece como preto, então tem todos esses motivos do porquê a gente quis propor o nosso nome, de também sermos a alternativa que as pessoas estavam precisando, de ser uma candidatura coletiva, a gente tá sendo registrado pelo partido REDE, que tá vindo com três candidaturas coletivas, e isso é bacana. Mas com essa vontade de ter três pretos periféricos numa candidatura coletiva nunca teve antes, então a gente tá fazendo história a todo o momento, e a gente tá muito feliz. Temos muitos motivos para estar aqui. Na câmara a gente vê que muita gente não se reconhece, não prioriza a nossa pauta, então deixa a desejar.
UTOPIA NEGRA: QUAL SUA RELAÇÃO COM O MOVIMENTO NEGRO/PERSPECTIVA PRETA?
Bancada Preta
Jeremias: A relação tá muito linda. A gente tá sendo muito bem aceitos. Nos procuraram e a gente foi atrás também, por nós nos representarmos como uma saída de representatividade, todo mundo viu que é importante essa representatividade, que dentro da Câmara não tem. Gente preta não se reconhece e pautas para mulheres. A gente engloba muitas pautas que incorporam as pessoas esquecidas, então essas pessoas nos veem como uma saída, uma alternativa e uma esperança.
Thawanna: É muito bom lembrar que quando a gente lançou a Bancada, a gente dialogou com o movimento tradicional, porque a gente viu o que eles achavam, para pegar aconselhamento, então a gente meio que pediu a benção. O nosso nome tá sendo bem levado, muita gente já sabe quem é a gente, só que a gente não conseguiu falar com todos, pois são poucos dias, são 45 dias de campanha, e a gente tá priorizando as reuniões, também por questões de segurança durante a pandemia. A gente tá dialogando com o movimento negro. Tem um grupo só de lideranças pretas, a gente pediu muito aconselhamento, porque somos três jovens, e a gente quer continuar essa geração.
Daniel: No movimento negro, logo no começo da candidatura, eu lembro que motivação primeira foi a rede social da Bancada Preta, e a gente começou ver que a galera do movimento social começou a procurar a gente, eu posso dizer que isso é muito gratificante, porque tem gente do movimento negro que há 10 anos não votava, e com a Bancada Preta, eles chegaram e falaram assim “graças a Deus esse ano eu vou votar, porque tem pessoas que me representam e tem porquê de eu votar”. Então a gente vê a importância do movimento negro. E quando eu cito que aqui está o nosso nome à disposição, é porque a gente tá vendo a nossa trajetória esses dias, vemos gente do movimento negro nas redes sociais, é gente vindo até nós, a gente não esperava que fosse tudo isso, e hoje vejo que a gente tem grandes chances de pegar a cadeira, nem que seja a última, mas gente quer estar lá, porque a gente tem trabalho pra mostrar, e o movimento negro passou a ver isso, porque a gente sabe se um negro conseguir chegar até lá, abre portas e oportunidades para outros negros chegarem lá.
UTOPIA NEGRA: O QUE É UMA CANDIDATURA COLETIVA? COMO FOI FORMADA A BANCADA PRETA?
Bancada Preta
Jeremias: Uma candidatura coletiva pra mim é uma junção de sonhos. É onde uma pessoa que não poderia pautar por tantas coisas, uma candidatura coletiva consegue englobar muito mais. Então a gente tá vindo nessa lutar por pautas esquecidas. A gente se juntou e conversou, dizendo “qual é o teu lance?”, “o que tu quer levar como vereador?”. A gente juntou tudo, e nossos projetos todos estão pautados nisso.
Thawanna: É uma candidatura que agrupa várias pessoas em prol de uma questão muito pautada. Pra gente da Bancada, é uma questão de juntar vários ideais e se envolver em uma pauta específica, que é no caso na Bancada Preta. A gente sabe que não tem uma lei que regulamenta uma candidatura coletiva, mas a gente fez um acordo pra gente registrar em cartório. Quando nos elegermos, iremos dividir salários, dividir a verba de gabinete, e dividir sempre a questão do voto. Quando tem uma pessoa para votar na câmara é mais fácil, mas quando você tem três pessoas pensantes fazendo isso, a gente sabe que sempre vai ter um voto vencido, mas será mais fácil identificar se aquela proposta é boa ou não pra nossa sociedade, pra nossa comunidade, pra nossa Macapá. Além disso, a gente tem o gabinete itinerante, que é uma proposta muito interessante de fazer com que as pessoas que não consigam ir até a casa do povo, que é Câmara, a gente vai fazer o nosso gabinete sair da Câmara para colocar as pautas do povo para dentro. E também tem a questão do dinheiro. Tem gente que só entra na política para enriquecer. Por exemplo, a Câmara Municipal de Macapá é atualmente a mais cara do país. Então, uma candidatura coletiva propõe justamente uma quebra desse sistema. Tem uma frase que diz “quando um preto ocupa um espaço, a gente abre portas para que outros pretos entrem com gente”. A Bancada é muito além de nós três.
Daniel: Por onde a gente tem passado, o povo tem gostado muito da ideia. Eu acho que a candidatura coletiva tá vindo pra quebrar todo esse tabu dessa antiga política que tá aí, porque hoje em Macapá a gente vê que nós não estamos fazendo fake News, estamos fazendo feridas, e os tubarões estão vindo pra cima da gente. Se a gente tá fazendo ferida, então a gente tá indo bem, indo no caminho certo. E se os tubarões estão com medo da gente, é porque a candidatura coletiva tá dando certo. Como uma senhora disse nos disse em uma visita “nossa, vocês estão vindo com uma candidatura coletiva, estão quebrando o tabu”, mas uma outra pessoa disse “e os tubarões?”, e a outra pessoa respondeu “os tubarões podem ser capturados”.
UTOPIA NEGRA: QUAL É O SEU POSICIONAMENTO IDEOLÓGICO? E O QUE SIGNIFICA SER CANDIDATO PRETO DE ESQUERDA?
Bancada Preta
Jeremias: Pra mim é muito importante vir como candidato de um partido de esquerda. Minha família tá na política faz muito tempo, sempre em partidos de esquerda. Então o que eu costumo falar é que o que é pra mim a continuação de uma luta, uma luta diária, onde todo mundo da esquerda tá traçando essa luta, é a única parte que luta pela gente, é só esse lado que consegue enxergar e consegue sentir. A gente entra pra falar das nossas dores, a maioria sabe das vivências, então a gente vê que ali é realmente o nosso lugar.
Thawanna: A gente tá vindo por um partido que a gente reconhece como um partido de esquerda, que é onde a gente tá filiado e registrado, só que a nossa ideologia, principalmente como candidatura coletiva é o pluripartidarismo, por exemplo, o Jeremias não é filiado a nenhum partido, o Daniel por enquanto está no PSB, então a gente tem toda essa junção de pessoas. Porque a gente vê que outras candidaturas coletivas que alguns são do mesmo partido, ou coisas do tipo, e a gente não priorizou dessa forma. Cada um de nós temos uma ideia sobre uma coisa, temos um ideal, a gente tem muitas vivências, experiências, e isso transforma a nossa pauta em única. Eu sou uma mulher preta, e eles como homens pretos sofrem muito, mas nós mulheres pretas sofremos duas vezes mais. Então a gente tem essa ideologia de chegar na Câmara e poder fazer aquilo que a gente quer fazer mas que nunca foi feito. A ideologia de priorizar a periferia, de priorizar as mulheres, de priorizar o povo preto, de priorizar a pauta LGBTQIA+. Essas são todas as nossas vivências, a gente tá vivendo muito assim. Por exemplo, no início da campanha, nós estávamos em uma reunião de estrutura, e a gente tá usando muito o Uber pra isso. A gente ia pra casa do Jeremias, a gente pedia o serviço e eles não aceitavam, porque tem aquele preconceito, a discriminação porque lá é o Mucajá. Lá no quilombo do Curiaú só tem ônibus. Então a vivência se transforma em ideologia, se transforma em um sonho, e a bancada vem através disso, tem vários sonhos que a gente quer construir. A REDE foi o partido que mais abraçou nossa ideia. Pra mim, ser uma candidatura de esquerda é muito gratificante, e eu sei que muitas pessoas queriam estar no nosso lugar, falam que não tem coragem, mas já vi muita gente falando “égua, sempre quis ter essa coragem que vocês”. E acho que isso é a questão do nosso medo, do medo de arriscar, e pra mim, ser uma candidata mulher preta de esquerda é pra mim lutar para que as pessoas reconheçam, e quando também a gente se inspira numa candidata a vereadora que muito nos representou, mesmo não sendo de Macapá, que foi Marielle Franco, foi um choque pra gente sua perda, mas a gente fala que quando ela se foi, ela plantou sementes, e a gente tá aqui renascendo através da Marielle, e a gente se inspira cada vez mais nela.
Daniel: Por onde a gente passa, tem gente que fala que somos muito novos entrando na política, e o interessante de nos sermos três jovens, e isso fez a gente criar essa coragem de chegar até à Câmara com os nossos projetos e de realmente buscar políticas públicas para nós, porque a gente vê hoje que nós não temos, dos 24 vereadores que nós temos lá, hoje, se você perguntar para alguém de Macapá o nome de três vereadores, eles não sabem, só sabem quando estão no período de campanha, e isso nos encoraja de sair de dentro da nossa casa e ter essa coragem chegar até a política. Hoje fico triste por ver candidatos pretos vindo por partidos de direta, que são os que mais maltratam o povo preto, de baixada, o povo de periferia. Às vezes fico me perguntando por que o irmão vai para o partido de direita, às vezes tá no movimento com a gente, mas na primeira oportunidade vai para um partido de direita, e a gente fica sem saber entender o porquê. Eu sempre gostei de partidos de esquerda. São os partidos de esquerda que olham realmente pela gente, porque a maioria das pessoas que estão no partido de esquerda são pessoas que vinham dos movimentos, sabe as lutas de cada um, e isso me faz interagir e lutar por políticas públicas por um partido de esquerda.
UTOPIA NEGRA: DE QUE MODO A BANCADA PRETA PODERÁ CONTRIBUIR PARA A POLÍTICA?
Bancada Preta
Jeremias: Acredito que nossos projetos tem o propósito de levar políticas que beneficiem as áreas periféricas. Um dos nossos projetos é o Recanto do Meu Canto. É um projeto de hortas comunitárias que a gente quer trazer dentro das áreas periféricas, principalmente para os conjuntos habitacionais, que seria hortas onde os próprios moradores plantariam, cuidariam e colheriam, que irá ajudar na questão econômica e também com a questão da saúde mental, porque, conversando com pessoas, vimos o quanto é pra elas legal plantar, deixavam elas relaxadas, serviria como terapia pra elas. Nas hortas nós colocaríamos nomes de pessoas importantes de vários bairros, o que é importante para a gente não esquecer dessas pessoas
Thawanna: Vou falar de três propostas que gente sempre fala muito. Vou falar de uma proposta que a periferia gosta muito que é sobre as mulheres, o mães de creche. Esse projeto visa além da necessidade de deixar seu filho na creche, de também gerar empregabilidade. A gente vai cobrar do Prefeito que construa essas creches, e a gente vai cobrar também que quem for trabalhar nesses espaços sejam as mães da própria comunidade, e que a gente fiscalize essa empregabilidade. A gente muitos outros projetos, mas o que esperar da Bancada Preta eleita? É esperar um mandato atuante, é esperar um mandato do povo, é esperar um mandato coletivo, um mandato mais participativo, que ouça a população e que lute mais por ela.
Daniel: Eu vou falar do nosso carro-chefe, o projeto Fundo Baixada Empreendedora. Tá todo mundo comentando. Nas redes sociais foi um dos nossos projetos mais comentados. A gente quer pegar uma pessoa que quer começar o seu negócio, que não tem estrutura, não sabe como fazer. Nós vamos selecionar algumas, caso nós formos eleitos. Por exemplo, o seu João quer começar venda de açaí dele, não tem verba, não tem a mínima estrutura pra começar. Então nós vamos disponibilizar parte do nosso salário, vamos ajudar o seu João. Depois que a batedeira tiver pronta, legalizada, tudo bonitinho, e o empréstimo que ele vai pagar depois não irá retornar pra gente, mas irá, por exemplo, ajudar a dona Maria a fazer o salão dela. E assim a gente vai fazendo uma cadeira de empreendedores para começar a construir o seu negócio.
UTOPIA NEGRA: COMO VOCÊ PENSA A RELAÇÃO RAÇA E GENÊRO NA POLÍTICA?
Bancada Preta
Jeremias: A questão da raça, que a gente sempre fala, é muito importante a gente levar pra dentro da política, porque a gente tem mais voz, porque a gente tem mais possibilidades de mudar esse quadro, então é muito importante a gente ter a representatividade tanto de raça quanto de gênero. A gente fica muito feliz quando vê essa pauta em candidaturas, como a pauta LGBTQIA+, então é muito bom isso, a gente junta e tem mais força. De raça, a gente sabe, só quem é preto, periférico, sabe das dificuldades, ser morador dessas áreas e ter que lutar a cada dia, sentir medo de sair de casa por conta de sofrer diariamente e ter dificuldade. É muito pessoal eu falar disso. Agora, nesse papel de candidato, eu tô tendo que falar mesmo, e outras pessoas me vem como representação, de sentir as mesmas dores que eu sinto.
Thawanna: É justamente transformar nossa vivência em política pública, porque só quem vive nossa realidade é quem sabe dela. Muitas pessoas que estão no poder hoje talvez não tenham a sensibilidade que de fato deveria ter com a nossa realidade. Por exemplo, por eles não sabem o que a gente tem vivido, eles nunca vão priorizar. As pessoas pretas estão menos envolvidas no espaço de poder, talvez estão com medo de eleger uma pessoa preta, e o que falta é ver gente preta brigar pelo povo. A questão de gênero, principalmente mulheres, elas demoram muito para chegarem a esses espaços por uma questão cultural, como a questão do machismo, tem o feminicídio, são muitas coisas que nos deixam pensativos, e por isso a gente tem que arriscar.
Daniel: É mais pra gente começar a ocupar os espaços de poder, porque tem candidatos que passam três, quatro mandatos e nada fazem pela gente. Então, a gente vem em busca do contraponto daquele velho ditado brasileiro “só se mete em política quem tem dinheiro”. A gente vem da periferia, a gente não vem de uma classe que nem eles já estão. Muitas pessoas não tem coragem de entrar na política por acreditarem nesse ditado. A maioria dessas pessoas são negras, e não tem estrutura, não tem apoio.
UTOPIA NEGRA: QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS DESAFIOS DE UMA CANDIDATURA PRETA EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19?
Bancada Preta
Jeremias: Os desafios vieram desde o início da pandemia. Da gente chegar nas pessoas mais velhas, que já estão dentro do movimento há muito tempo, então, por exemplo, a gente chegava no Curiaú e tá lá uma pessoa que mora há muito tempo ali e nos apresentarmos. A gente sabe que é muito importante prezar pela saúde. Os desafios estão aí. Na pandemia, puxando a questão das áreas periféricas, tem que ser muito cuidadoso em chegar e fazer reuniões nessas áreas, onde não tem estrutura pra receber, para não se aglomerar, e a gente sabe que a questão da saúde é muito importante.
Thawanna: Acho que nosso principal desafio é chegar até o povo, porque a gente tá tentando fazer a campanha da forma mais segura possível na pandemia. A gente não fez nenhuma reunião grande, não porque a gente não quer mostrar a nossa força, mas porque a gente prioriza a nossa segurança de não colocar ninguém em perigo. Porque as pessoas veem que nós somos jovens, e tem aquelas que perguntam “ah, será que eles são responsáveis?, “será que essa mulher é capaz?”, “será que esses meninos são capazes de fazerem políticas efetivas para gente?”. Então tem esse desafio geracional. Tem o desafio ao preconceito das pessoas, que veem a gente como jovens pretos periféricos, e às vezes não acreditam muito por conta do preconceito, da criminalização, pensando assim: “ah, tem gente do Mucajá, tem gente do Novo Horizonte, tem gente do Curiaú”, são preconceitos sobre a área que a gente vive, e a gente sabe disso. Tem a questão da misoginia, tem pessoas que não acreditam nas mulheres. São vários desafios diariamente. Tem a questão de realmente priorizar a saúde física da Covid-19, pois a gente tá numa pandemia e por isso a gente não tá arriscando muito. A gente vai se dividindo e tendo esse trabalho de formiguinha, é um pouquinho cansativo, mas é mais seguro e prazeroso pra gente. Todo o dia a gente tem um desafio novo. Tem o desafio de como chegar na reunião, de como convencer, de explicar o que é uma candidatura coletiva, de como nós três nos representávamos, e de como fazer uma pessoa ir num domingo, em plena pandemia enfrentar uma fila para votar na Bancada Preta.
UTOPIA NEGRA: QUAIS SERÃO AS PRIORIDADES PARA ÁREA QUE PRETENDEM INTERVIR? QUAL É A MARCA QUE VOCÊS QUEREM DEIXAR?
Bancada Preta
Jeremias: Pra mim, a minha luta que eu sigo, é a luta de nós três que é a representação das áreas periféricas, das periferias da cidade que há muito tempo é esquecida e precisa de políticas públicas e daí a reforma do projeto que é o Museu do Negro Itinerante, onde a gente quer levar pra essas áreas informações de cultura, conhecimento de coisas que elas não tem acesso. Então, um exemplo seria o próprio movimento negro que é muito importante a entrada dele nessas áreas porque a maioria da população das áreas periféricas não se identifica como negro, mas sofre racismo diariamente. Então é muito importante essa entrada para as pessoas se reconhecerem, saberem da sua história e da sua raça né. Eu sempre costumo falar quando a gente tá em reunião com pessoas do movimento negro, é que pra mim eu tive que sair de onde eu moro pra buscar esse conhecimento pra poder levar pra minha família, meus parentes. E é bom ressaltar que é muito importante a entrada do movimento (negro) dentro das áreas periféricas pra mostrar esse conhecimento. Então a minha pauta é essa, de levar as coisas para as áreas periféricas. Tanto conhecimento, quanto cultura. E os nossos projetos estão todos interligados, as nossas pautas estão todas interligadas, isso que é muito legal da Bancada porque é levar onde não tem.
Thawanna: Bom, cada um de nós tinha projetos antes da Bancada. O Jeremias já faz projetos lá no Mucajá, o Daniel faz projetos lá no Curiaú. E a gente já tinha projetos, quando a gente foi juntar, gente viu que não ia dar tudo isso, a gente tinha que resumir. E aí a gente tirou praticamente cinco projetos de cada e foi assim "poxa, que triste", mas como o Daniel falou, cada um tem uma prioridade e é isso. A gente tem que priorizar saúde, educação, juventude, mulheres e a gente eleito, a gente quer fazer um plano de governo, mesmo a gente sendo vereador, a gente quer fazer tipo "o que a gente quer fazer no primeiro ano de mandato, segundo ano de mandato, terceiro ano e quarto". E também o que vai ter de todos os anos. No caso o Fundo Baixada Empreendora, a gente quer tá todo mês investindo em um negócio diferente. Esse que é o nosso projeto. E a gente tem o Periferia em Ação, basicamente o que o Jeremias falou que é priorizar a parte periférica, muita gente tem muitos projetos na periferia e não tem aquele reconhecimento. E a gente também tem o Fomento à Cultura que é um outro projeto que a gente tem, que no caso é priorizar aqueles ativistas que fazem algo na cultura. Porque tem muita gente que quer alguma coisa pro seu projeto, mas não tem aquele apoio e a gente quer dar esse apoio financeiro, social, enfim, todos os apoios. A gente também tem o Ambulatório Social que é fazer um carro, qualquer coisa que ande pela cidade pra tá levando os exames pras pessoas fazer de forma gratuita e itinerante, de testes rápidos, coisas básicas assim pras que as pessoas que não conseguem ter isso porque é muito ruim fila e tudo mais. Enfim, tem muitos projetos que a gente quer fazer. A gente quer fazer um contêiner, a gente quer conseguir um apoio com o governo federal, pra fazer um contêiner só de capacitação de juventude, pra entrar no seu primeiro emprego. A gente sabe que é muito chato, o primeiro emprego é a parte mais difícil da juventude, que hoje é assim "ah, vou fazer uma entrevista de emprego", chega nessa entrevista e a pessoa faça assim "ah, você não tem experiência pra entrar aqui, então você não pode, você tem que ter dois anos de experiência no mínimo", "mas como vou ter experiência se nunca ninguém me deu oportunidade?". Então é toda essa questão da gente dar cursos de capacitação e tudo mais, também fazer a juventude ser empreendedora. Então a gente tem muitas prioridades no nosso projeto, porque cada um tem um apego emocional mesmo com o projeto, mas se a gente fosse, se eles não concordarem comigo (inaudível), mas eu acho que assim, o Fundo Baixada Empreendedora, acho que a Cura Pela Fala, porque nessa pandemia a gente viu que muita gente ficou com crise de ansiedade, muita gente ficou com depressão, porque era além de uma doença física, era uma doença emocional mesmo o que tava tendo nas pessoas. A gente tem o projeto Cura Pela Fala que é justamente levar os atendimentos psicológicos de forma gratuita por voluntários pra periferia porque é um acesso muito burocrático que as pessoas não conseguem ter. Tem muita gente antiga que não acredita em depressão, tem muita gente antiga que acha que terapia só é pra gente doida ou que não é importante. Então a gente prioriza muito a saúde mental na nossa candidatura porque a gente sabe da importância dela (inaudível) dos jovens, dos adultos, dos idosos e até mesmo as crianças precisam de atendimento psicológico e o Cura Pela Fala é justamente a prevenção do suicídio e também cuidar das pessoas que já perderam alguém pelo suicídio, principalmente essas pessoas. "Porque tenho uma família, perdi o meu sobrinho pelo suicídio", porque justamente o Cura Pela Fala vem nisso pra ajudar essa família nesse luto diariamente que é muito difícil de sarar, mas o Cura Pela Fala é justamente isso e é muito lindo os nossos projetos, a gente é apaixonado por eles.
Daniel: Como eu disse logo no começo, eu venho de uma família tradicional. Em plena cidade de Macapá, a nossa cultura é muito forte, pena que ainda não é vista por muitos que moram aqui, muitos que moram aqui não sabem. Como a Thawanna disse, cada um tem um. A minha parte é tentar fortalecer a minha cultura que vai se passando de geração em geração. Inclusive, na minha parte tem um projeto que é levar o Museu do Negro Itinerante até as áreas de ressaca, até as áreas quilombolas para justamente fortalecer isso. A gente levar uma roda de marabaixo, uma roda de capoeira, (inaudível), sairé em todos os bairros. Assim a gente vai levando, porque hoje se eu entrar em um transporte coletivo com uma roupa de marabaixo, as pessoas confundem, me chamam de macumbeiro e aí a macumba é uma religião e o marabaixo é uma tradição. Então pelo fato de eu vim de uma área quilombola e querer mostrar a minha cultura, a minha parte é mais essa mesmo, cultural. De eu tentar fortalecer que a lei 10.369 seja mais eficiente, pra se criar o Dia Municipal do Marabaixo, nunca foi feito. E é isso, tentar fortalecer mesmo. Até porque hoje é vergonhoso a gente ver um candidato que tá vindo a Prefeitura Municipal de Macapá, os outros candidatos todos quando começam o seu período no horário de TV, colocam um pouquinho da nossa tradição. Só que infelizmente um dos candidatos a prefeito de Macapá, em vez dele valorizar o marabaixo, ele veio valorizando a cultura paraense que é o Carimbó. E aí a gente que é daqui de Macapá, a gente se pergunta: por que o cara não pegou o marabaixo justamente no seu período eleitoral? Pra mostrar pro povo que a gente tem uma tradição e aí ele prefere pegar uma tradição que é de outro estado e não valoriza a daqui. Então tudo isso faz a gente criar mais coragem, tomar essa iniciativa de chegar até a Câmara para brigar por um pouquinho do que é nosso.
Após a fala da Thawanna, Jeremias acrescenta que: É importante falar de quem vai tá conosco nessa parte do projeto Cura Pela Fala, que é o projeto Joga na Roda que tá há muito tempo fazendo essas escutas, esses trabalhos já dentro da periferia. Então eles juntando com a nossa força é muito mais legal. O que é o projeto Joga na Roda? Ele pega acadêmicos de Psicologia ou até pessoas que já são formadas nessa área pra fazer esse treinamento ou até mesmo chegar nas áreas periféricas e fazer essa escuta psicológica. Então é muito legal ressaltar esse projeto que tá com a gente e que vai lutar com a gente nessa questão da saúde mental também que é importante tem muita gente que acha que é frescura, acha que é brincadeira, mas é muito tenso quando chega a notícia de que alguém suicidou, de que a pessoa tá triste e tá indo por esse caminho.
UTOPIA NEGRA: DE QUE MODO VOCÊ ENTENDE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, FEMINICÍDIO E AS QUESTÕES ESTRUTURIAIS DECORRENTES DESSE CONTEXTO? COMO MUDAR ESSE QUADRO?
Bancada Preta
Jeremias: A gente viu muito mais, é importante bater nessa tecla nesse tempo de pandemia, onde maridos ficaram mais em casa e por isso ficaram mais agressivos ainda. Então a gente vê que é importante levar essa pauta e como a Thawanna falou, questão da informação né. Como falei anteriormente da importância da entrada do movimento negro dentro das áreas periféricas, por que não entrar o feminismo? O feminismo em geral dentro dessas áreas levando essa informação que é importante, levando do porquê que a mulher não pode sair, conseguir seu próprio emprego, cuidar da própria casa. Porque dentro das áreas periféricas a gente vê muito essa dependência das mulheres nos maridos, pelo fato do homem ser aquela figura que traz as coisas pra dentro de casa, que trabalha. Então seria muito importante levar o feminismo dentro das áreas periféricas com esse intuito de levar que as mulheres podem, que as mulheres têm essa capacidade de lutar e ter suas próprias casas e não depender. Mas seria um trabalho a longo prazo porque dentro das áreas periféricas ainda tem muito essa imagem do homem como a figura maior dentro da casa. Então seria uma coisa a longo prazo, acho que é muito importante também essa entrada.
Thawanna: A gente entende muito sobre a falta de informação. Mesmo tendo internet e tudo mais, nem todo mundo tem acesso a internet, mesmo que a gente ache uma coisa assim tão simples muita gente não tem. Muita gente não sabe que sofre ou tá em um relacionamento abusivo, por causa de dependência financeira, emocional, psicológica, até mesmo dependência física. As pessoas não entendem relacionamento abusivo, não entende que o seu companheiro é machista ou coisa do tipo e depois tem o feminicídio, tem a questão da violência doméstica, também tem a questão da misoginia. E a gente entende que isso é uma pauta que é muito importante a gente levar diariamente pra discussão, porque realmente as pessoas não sabem que estão vivendo isso e eu sei disso por uma pauta pessoal minha mesmo. Na minha casa já vi, na minha família sofrendo violência doméstica e foi muito difícil sair daquilo, porque era envolvido filho e tudo mais e aí falava que não queria que o filho ficasse sem pai, foi muito complicado toda essa questão. É uma demanda pessoal nossa, porque a gente quer levar pra nossa candidatura, pro nosso mandato a questão da afetividade, de empatia, de sempre se colocar no lugar do outro. Mas também sempre levando a razão, porque sempre quer lutar por todos e o racional também ajuda muito nisso, mas quando a gente junta o emocional e o racional, a gente consegue fazer muito mais porque a gente é sensível a essa pauta e a gente sabe da importância da discussão dela diariamente pela causa da falta de informação, que até o povo periférico tem. Não que não tenha também essas questões na classe média e na classe alta, tem. É questão também de coragem, da pessoa entender o que ela tá vivendo. É uma pauta muito sensível de se falar porque a pessoa não tá entendendo o que ela tá vivendo e precisa de ajuda. Nós três, a gente quer ajudar muito essas pessoas porque a gente já viu gente da nossa família vivendo isso e a gente quer ajudar toda a população que tá vivendo isso. Até porque esse ano teve muitos feminicídios e a gente ficou horrorizado, horrorizado mesmo porque já faltava o corona vírus matando um monte de gente, gente matando gente, gente matando mulheres e isso era muito frustrante, muito agoniante, muito decepcionante pra gente por questão de que a gente ficava assim "caramba, o que eu tô fazendo? E agora o que eu posso fazer pra evitar os próximos?". E a gente tenta sempre pensar muito nisso. (Após a fala de Jeremias, Thwanna acrescenta) E dizer também o nosso projeto Mães de Creche, Baixada Empreendedora que é justamente fazer aquela mulher ser mais independente, de ter aquela autonomia e tudo mais. Porque a maioria das mulheres que sofre com isso é por causa de dependência financeira. Claro que tem a dependência emocional, mas a maioria é mais de dependência financeira, de não ter como se sustentar, "mas pra onde eu vou se sair daqui?", "não, mas ele me ama", todas essas questões que a gente vê diariamente e que a gente tentou nos nossos projetos, os nossos projetos sempre visam várias coisas, sabe. Empregabilidade, saúde mental, a saúde mental tem todas essas questões de violência e tudo mais.
Daniel: É importante ressaltar, os companheiros já falaram bastante, é por isso que eu gosto deles, sabem representar muito bem a gente. O que me levou a ficar muito triste é que nenhum vereador chegou fazendo política pública sobre esse caso em Macapá e eu gostei de ver o trabalho de quatro deputadas da Assembleia que formaram uma comissão e depois que muitas foram agredidas, essas quatro deputadas dar um apoio, começaram a mostrar serviço. Na hora que a gente tem que reconhecer, a gente tem aue reconhecer, a gente não pode ser injusto. Eu gostei de ver o trabalho dessas quatro deputadas. Infelizmente, as outras deputadas acho que era pra ter caído todo mundo junto por essa causa, porque o aumento foi do dia pra noite, os casos de feminicídio no Amapá. Mas enfim, os meus companheiros de luta já falaram. Acho que depois que a gente entrar lá, acho que tem que ser uma prioridade nossa também. E a gente não pode esquecer.
UTOPIA NEGRA: COMO @ CANDIDAT@ OBSERVA A QUESTÃO DO RACISMO ESTRUTURAL NO AMAPÁ EM RELAÇÃO AO TRATAMENTO QUE É DADO À COVID-19 NA CIDADE?
Bancada Preta
Thawanna: O racismo é algo que a gente sofre diariamente e o racismo estrutural a gente tá percebendo também na falta de candidaturas negras. A gente viu que muitas candidaturas negras caíram e que a gente lutou muito pra que a nossa não caísse, porque foi muito difícil mesmo tu construir uma candidatura com três pretos. Então tem o racismo estrutural nisso. Em questão da Covid, a gente percebeu que tem a falta de priorização de pessoas pretas que sabem da sua realidade e de conduzir todo aquele papel e tudo mais. A gente percebe o quanto tem a falta de priorização das nossas pessoas do cuidado mesmo, de saber quem tá sofrendo nessa pandemia e quem pode chegar no acesso da saúde e quem chega mais fácil no acesso de ter mais cuidado, de ter mais fácil acesso aos medicamentos e tudo mais. E a gente percebeu na questão do racismo concomitantemente com a Covid-19. A gente ficou muito assustado com algumas coisas, mas nem nisso a gente deixou de vir como candidatura coletiva. A gente percebe que todo dia tem racismo e racismo estrutural, racismo institucional e vários outros racismos, mas nem por isso a gente deixou de vim porque a gente não tá com medo, a gente só quer enfrentar tudo isso e lutar por todos nós. E priorizar essa pauta de saúde como a gente já falou em todas as questões aqui e priorizar o nosso povo.
UTOPIA NEGRA: VOCÊ PRETENDE CONTINUAR DE QUE FORMA NA POLÍTICA?
Bancada Preta
Jeremias: Como já foi falado anteriormente, da importância da nossa candidatura de dar coragem pra outras pessoas negras tentarem ocupar esses espaços também. Em reuniões a gente já foi citado e conversando sobre isso que a gente tá abrindo portas, a gente tá vindo com uma esperança e inspirando essas pessoas e que a gente tá vindo como vereador, como a Thawanna disse, mas por que não fazer uma Bancada Preta pra deputado estadual? Pra outras candidaturas? É um projeto a longo prazo, é um projeto que quer englobar todo mundo, principalmente o movimento negro e a gente sempre fala também, a gente quer fazer escurecer tanto a Câmara de Vereadores, quanto a Assembleia, todos os espaços são nossos por direito. Então é muito bom a gente vir com essa proposta a gente traz coragem, traz força e incentiva a pessoas como a gente a entrar nessa parte política que é muito importante.
Thawanna: Na verdade, muita gente fica criticando porque quando veem três pretos querendo se empoderar, querendo mostrar serviço, querendo mostrar com as nossas vozes, muita gente tenta ver qualquer coisa pra colocar defeito. Como eu já disse anteriormente, o partido REDE foi o único que acreditou na nossa pauta, que acreditou na candidatura coletiva e que ajudou a gente a se fortalecer. Aí entrou as questões de que "ah, mas o Partido Rede é branco" ou então "ah, mas não estão instrumentalizando vocês e tudo mais?". E a gente diz que não, porque na verdade a gente tem que ocupar todos os espaços e a gente tá nisso pra ocupar e fazer nós como protagonismo da nossa candidatura, das nossas histórias, das nossas vidas. E eu acho que é muito importante a gente fazer e nasceu nós três, no caso a Bancada Preta, a Bancada Preta nasceu na eleição de 2020 de vereança. Mas a gente tem histórias antes da Bancada Preta, cada um tem uma vivência, cada um tem as suas propostas, cada um tem seus projetos e a gente nasceu não pra ser um projeto só de agora, mas sim de longo prazo. A gente pensa assim em se consolidar como um coletivo de negritude, uma Bancada Preta também como eu lhe falei, não é só nós três, nós somos as cabeças de chapa, a Bancada Preta tá muito mais além da gente. Nossos coordenadores de campanha são negros, LGBTQIA+ mulheres pretas. As nossas agendas, a nossa comunicação, a gente sempre priorizou todas essas pessoas e a maioria tudo jovem, acho que só dois são mais experientes. O resto é tudo jovem e é isso. O nosso projeto é a longo prazo, ele nasceu agora, mas a gente não pensa em parar tão cedo. Como o Daniel falou, a gente tem uma cultura de "ah, só entra na política quem tem dinheiro" e as pessoas sempre pensam isso. É muito cultural e a gente tá aqui pra provar o contrário. E quando a gente conseguir esse espaço, quando a gente conseguir ocupar essa cadeira, a gente vai conseguir abrir portas pra que outras pessoas tenham essa coragem que a gente tá aqui e por isso eu digo que é um projeto a longo prazo, porque a gente já tá inspirando pessoas mesmo antes do dia da eleição. Então, "alvará" quando a gente tiver dentro. É isso que a gente quer, é inspirar, dar força, dar coragem pra todas as pessoas que têm coragem de se candidatar, mas falta coragem.
Daniel: Na minha parte, o que eu tenho a dizer é que em nome da Bancada Preta eu tô muito feliz de chegar a fazer parte desse projeto e se Deus quiser em 2020 vai ter uma Bancada Preta na Câmara Municipal de Macapá e quem sabe em 2022 outra Bancada Preta na Assembleia Legislativa. Desde já isso vai ser muito importante pra gente, como eu falei, tá sendo cansativo, mas aqui tá sendo muito gostoso, onde a gente tá conhecendo pessoas maravilhosas, pessoas que estão aderindo ao nosso projeto. Porque no começo foi tão difícil a gente se balançou, se balançou, quase a gente cai, mas não caiu. A gente não pode deixar esconder isso e só faz a gente se fortalecer e continuar nesse pleito, continuar nessa luta. A Bancada Preta, o que eu posso dizer hoje da Bancada, como o Jeremias e a Thawanna falaram, a gente quer preencher esses espaços de poder, como a gente diz "se for preciso brigar, a gente briga". É igual um velho ditado "se um preto já gosta de brigar, imagine três". Isso tá deixando a gente tão motivando, a gente tem muita coisa pra mostrar. Aqui tá só o nosso nome, mas não é só a gente. Tem uma galera aqui bacana que a gente nunca imaginou que ia causar o que a gente tá causando. O mais incrível de tudo isso é que a Bancada é preta, mas pessoas de outras classes estão chegando com a gente, o nosso próprio senador Randolfe, o senador da República, tem compartilhado muito o nosso trabalho, a nossa candidatura. A gente não pode deixar de esquecer pessoas como ele, Elane Albuquerque, Neto Medeiros, Laura do Marabaixo, tem uma galera muito bacana com a gente que estão levando o nome da Bancada Preta, fazendo esse trabalho de formiguinha. Uma vez a gente foi na casa de uma amiga da Elane, que ela já tinha visto nas redes sociais, mas queria conhecer muito a Bancada Preta. Aquela visita foi tão gratificante, tão carinhosa, tão bacana que ela disse "poxa, eu vou começar a apresentar a Bancada Preta pra mais amigos" e quando a gente saiu no portão pra vir embora da casa dela, ela disse "poxa, eu não queria que a Bancada Preta fosse embora". Então a gente tá vendo que as pessoas estão aderindo à Bancada Preta. Enfim, gente, é isso. Tá sendo bacana, tá sendo gostoso e a gente quer chegar lá pra fazer política pro nosso povo.
Fontes
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/10/14/candidaturas-negras-femininas-e-indigenas-aumentaram-em-2020>
Disponível em:< https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2020/eleicao-em-numeros/noticia/2020/11/17/mesmo-com-aumento-das-candidaturas-negras-camaras-municipais-seguem-com-maioria-branca-no-pais.ghtml>
Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/04/candidaturas-negras-repasses-fundo-eleitoral.htm>
Luana Darby Nayrra da Silva Barbosa – Mestranda em Ciências Sociais (UNESP/FCLAr). Membro do grupo de pesquisa Direitos Sociais, Cultura e Cidadania (CNPq/UNIFAP) e Laboratório de Política e Governo (LabPol/UNESP). Integrante do Utopia Negra Amapaense.
Amanda Cristina Souza da Silva – Mestranda em História (PPGH/UNIFAP). Membro do Laboratório de Estudos da História Social do Trabalho na Amazônia (LEHSTAM/UNIFAP). Colaboradora do Utopia Negra Amapaense.
Nilson Gomes de Oliveira – Estudante de Sociologia (UNIFAP) e Direito (CEAP). Membro do grupo de pesquisa Direitos Sociais, Cultura e Cidadania (CNPq/UNIFAP). Colaborador do Utopia Negra Amapaense.
Comments