Por: Luana Darby Nayrra da Silva Barbosa e Nilson Gomes de Oliveira
Candidata Cacau (PT)/Reprodução Facebook Cacau Souza
Iniciamos hoje uma série de entrevistas com candidaturas negras da cidade de Macapá-AP, com intuito de conhecer e compreender as atividades e ações das candidatas e candidatos à Câmara Municipal de Macapá (AP).
As eleições municipais ocorreram no dia 15 de novembro em todo o Brasil, exceto em Macapá, que viveu um período de tensão e sofrimento pelo apagão em 13 dos 16 municípios, que durou 22 dias. O presidente do TSE atendeu ao pedido da Justiça Eleitoral do Amapá, adiando as eleições para dezembro, somente na capital. O primeiro turno irá acontecer no dia 06 de dezembro, e o segundo turno ocorre dia 20 de dezembro.
Segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 276 mil candidatas negras concorreram nas eleições de 2020. Destes, 58 mil foram eleitas, segundo o site G1. Mesmo vigorando a lei que fez essas eleições operarem com a divisão proporcional do Fundo Eleitoral entre candidatos autodeclarados negros e brancos, apenas 18% receberam verba desse fundo, informa o site UOL, revelando o enraizamento do racismo estrutural e sistêmico na vida social e política brasileira.
A partir disso, pretendemos realizar uma análise substancial das candidaturas pretas nas eleições municipais de 2020 em Macapá, visando contribuir com a popularização de candidaturas negras no Amapá, distribuídas em legendas distintas.
Nossa primeira entrevistada é a advogada Cacau, militante do Partido dos Trabalhadores (PT) e candidata pela legenda à vereadora de Macapá. Neste bate-papo, ela reflete sobre sua formação política, e acerca das questões de raça e gênero, envolvendo também as principais problemáticas na cidade de Macapá, em tempos de pandemia da Covid-19.
Esta entrevista foi feita via vídeo chamada, respeitando as regras sanitárias de isolamento social, e antes do apagão que assolou o Amapá.
Entrevista 1: Candidata Cacau (PT)
UTOPIA NEGRA: APRESENTAÇÃO: ORIGEM E TRAJETÓRIA DA CANDIDATA
Cacau: Eu sou a Cláudia, sou conhecida como Cacau. Não sou nascida em Macapá, sou nascida no interior do Estado, no município de Calçoene. A família da minha mãe é de lá, e a família do meu pai é de Macapá. Eu vim para Macapá quando eu tinha quatorze anos. Então, a metade da minha até hoje, morei lá e outra metade morei aqui. Hoje eu sou advogada, sou filha da Professora Marineusa, como já disse anteriormente, minha mãe e minha família são todos de Calçoene, hoje todos moram aqui. Tenho dois irmãos, e assim, desde muito jovem que eu já me ligo na política, acredito que desde os meus treze anos ou quatorze anos que já me envolvo nas atividades do partido, sou filiada ao PT (Partido dos Trabalhadores) há 12 anos, sou filiada desde quando tinha 15 anos, eu tirei meu título e fui fazer minha filiação ao PT. E tô aqui hoje, depois de muitos anos militando internamente nos Partido dos Trabalhadores, de uma forma bem orgânica mesmo, hoje eu estou como candidata a vereadora, é a primeira vez que eu disputo um cargo eletivo, eu só participei de atividades de eleições dentro do meu partido, é um processo bem democrático da escolha dos dirigentes do PT, como eu sou filiada, eu voto, então participei de várias eleições internas. Hoje faço parte da eleição executiva municipal de Macapá, da capital, e sou membro do coletivo nacional pelo PT.
UTOPIA NEGRA: O QUE TE MOTIVA A DISPUTAR AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS?
Cacau: Eu acredito que é uma frase clichê, mas é que eu sempre uso mesmo. Desde muito nova, eu pude observar e ter a política como elemento de transformação social. Eu acredito que pra gente querer mudança, a gente tem que se colocar e fazer a mudança, e eu entendo minha candidatura muito como isso, de eu buscar através dela a forma de transformação da nossa sociedade. Eu acho que nós enquanto jovens a gente busca muito isso, uma forma de renovar, uma forma da gente buscar novos caminhos, novas ideias, e a gente vê que a nossa política tá muito viciada. A partir do momento que eu almejo a mudança, que quero a mudança, eu acho que posso me colocar como esse instrumento pra mudança. E eu vejo que essa eleição não vai ser muito fácil, eu observo que tem muitas candidaturas negras, mas não vai ser fácil para nenhuma de nós. A gente tem vivido um processo que, até pela questão da onda do bolsonarismo, e a questão da pandemia que a gente tem vivido, se tornaram fatores mais agravantes para nós, principalmente para as candidaturas negras de esquerda, então, eu acredito que não vai ser fácil, acredito que pra nenhuma candidatura hoje, mas eu vejo muitas candidaturas boas, eu não falo só por mim, eu falo por todos, eu posso até não entrar, mas eu acredito que a gente precisa hoje ter candidaturas e ter representatividade lá. E é uma coisa que eu tenho medo. A onda do bolsonarismo tá muito grande, o processo se tornou mais dificultoso. Mas eu também tenho a esperança de que a gente possa mudar esse cenário. Se eu não me engano, a gente não tem nenhuma candidatura negra na atual legislatura. E o quadro dificulta mais ainda quando vai para mulheres negras. Hoje nós temos quatro mulheres vereadoras nessa atual legislatura, e todas são brancas, nenhuma negra. Então é muito difícil a gente trabalhar, cobrar representatividade, quando se tem uma legislatura em que a gente não se sente representada. Então é a oportunidade que a gente vai ter de mudar esse quadro.
UTOPIA NEGRA: QUAL SUA RELAÇÃO COM O MOVIMENTO NEGRO/PERSPECTIVA PRETA?
Cacau: Eu não tenho relação com o grupo de movimentos negros. Eu acho que sempre atuei de uma forma de buscar as relações que eu tenho, e por influência até do Partido do Trabalhadores de ser mais uma voz que defende a causa, porque hoje a gente tem alguns grupos aqui no Estado, mas eu acredito que não vejo uma atuação tão hoje massiva como eram há dez anos atrás, por exemplo, eu me lembro que antes da pandemia, eu participei de uma live junto com o secretário de combate ao racismo daqui do Estado, o Aloísio, e a gente citou essa questão de que os movimentos já não estão tão unidos como eles eram antigamente, a gente sabe que acaba tendo essa disputa que envolve o próprio movimento, então hoje eu aproveito a influência política que eu tenho, que não é tanta, mas eu acredito que qualquer coisa que a gente fala, ela vai ecoar de uma forma positiva ou negativa, até por causa das redes socias, então eu tenho aproveitado muito essa influência que eu posso ter pra ser mais uma voz que se soma a causa e defende a causa, porque eu acredito que hoje a gente tem muitas pessoas que estão se somando dessa forma, então é dessa forma que hoje venho contribuindo com a causa e, de certa forma, com movimento negro aqui no Estado.
UTOPIA NEGRA: QUAL É O SEU POSICIONAMENTO IDEOLÓGICO?
Cacau: Eu tô filiada a um partido, que hoje é tido com um partido de esquerda, literalmente. Eu acredito que hoje é um dos partidos mais considerados de esquerda. Então eu defendo muito esse campo progressista, esse campo em que atuam partidos que realmente defende e tá do lado do povo. Hoje, quando a gente fala de ideologia, a primeira coisa que vem na cabeça das pessoas: “ah, tu é de esquerda”, “tu é de direita”, hoje parece que gente só se resume a isso. Hoje a gente tem essa divisão muito clara de direita e de esquerda, mas na questão do povo, eu tô do lado que vai defender as políticas públicas pra educação, que vai defender políticas públicas pra área da saúde, e que principalmente estar à frente do plano pra gente consiga tirar esse governo genocida que hoje a gente tem aí, que não é nada fácil, é uma onda que tem crescido muito, e de certa forma eu vejo que ele acabou se criando como uma ideologia por mais que não seja, mas tem ficado muito massivo e a gente percebe que o significado de muitas coisas hoje tem tido uma conotação diferente. Então hoje eu defendo esse campo progressista, e é esse lado que tô e é esse lado que eu defendo.
UTOPIA NEGRA O QUE SIGNIFICA SER UMA CANDIDATA PRETA DE ESQUERDA?
Cacau: Primeiramente, eu acho que é quebrar todos os preconceitos e paradigmas que hoje a sociedade nos impõe. Geralmente hoje temos vivido uma sociedade que parece que essas pessoas estão mais soltas, e estão mais à vontade pra xingar preto, e principalmente matar preto, porque eu acho que as representatividades políticas, principalmente as nacionais que a gente tem, elas se sentem mais a vontade pra isso, então, basicamente, eu vejo que pra baixo as pessoas estão se sentido cada vez mais livres, e parece que isso se tornou algo muito natural, além de ser algo muito real, é como se fosse algo muito normal, algo que as pessoas deveriam aceitar porque a gente fala, então assim, a gente tem que quebrar todos os paradigmas, a gente tem que compor para mostrar que as coisas não são desse jeito. Então, hoje, você ser uma candidatura mulher, negra e de esquerda, a gente tem que colocar do porquê a campanha de uma mulher é muito mais complicada que só pra homens. A gente tem que meter o pé na porta, aumentar o tom da nossa voz, e dizer que a gente tá aqui, e dizer que a gente vai lutar por mudança, e que a gente tem voz e vez, principalmente porque a gente representa muita gente, a gente representa muitas vozes. Então é momento da gente realmente mostrar pra sociedade que a gente tá aqui e que a gente é capaz, porque as pessoas colocam muito em jogo a nossa capacidade, você enquanto mulher, negra e de esquerda. Eu digo mais ainda: hoje, por eu ser de um partido como o Partido dos Trabalhadores, eu acho que é mais um desafio da gente se colocar diante de uma sociedade que é tão machista, misógina e racista. Então, eu acredito que é mostrar que a gente tem voz, é mostrar que a gente tem vez, e mostrar que a gente é capaz, e às vezes muito mais do que esses que estão aí hoje.
UTOPIA NEGRA: COMO VOCÊ PENSA A RELAÇÃO RAÇA E GÊNERO NA POLÍTICA?
Cacau: Eu acho que vai muito no compasso do que eu falei. A última resposta acaba interligando. Quando eu falei da questão que a gente enquanto mulher, enquanto mulher preta, de esquerda como candidata, tem que se colocar, tem que se fazer de uma forma diferente. Eu acho que hoje, por a gente ter mulher, a gente tem que provar para as pessoas o quanto a gente é capaz, o quanto a gente pode muita coisa. A gente é sempre acostumada a ouvir piadas quando relacionada a nós mulheres, a nós, candidatas mulheres pretas de esquerda.
UTOPIA NEGRA: QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS DESAFIOS DE UMA CANDIDATURA DE MULHER PRETA EM TEMPOS DE PANDEMIA DA COVID-19?
Cacau: Nossa, mano. Que pergunta difícil. Eu acho que só da gente tá vivendo a pandemia, já é muito difícil pra gente. Então assim, a gente tem percebido que as mulheres foram as mais afetadas nessa pandemia, então, quando a gente joga pro contexto de violência doméstica, a maioria das mulheres vítimas de violência doméstica são mulheres negras, se sabe que os casos de violência doméstica com subnotificações aumentaram muito, então é algo que virou questão de saúde pública, assim como a pandemia, é uma questão que não deve ser deixada de lado, então, se a gente não for pra cima, estar brigando, vai continuar ficando abafado, é difícil não falar algo e não direcionar pra atual presidência que a gente tem, e muita coisa se esbarra na forma foi deixada de lado. “Não, deixa isso acontecer”, “se a mulher apanhou, foi culpa dela”, são essas frases que eu realmente já ouvi muito. Eu vou retornar à live que fiz com o presidente da Seafro, o Aluísio, que inclusive é advogado como eu, eu perguntei pra ele: “como é que tá a questão dos casos de negros que foram acometidos por Covid aqui no Estado?”, e, por exemplo, não tinha a preocupação de no início da pandemia ter o relatório em que se vê descriminar a raça do indivíduo, então, por exemplo, por mais que se saiba que no nosso Estado é um Estado predominantemente de pessoas pretas, não era tido esse controle pela Secretaria Municipal de Saúde de ter o controle de perceber se a pessoa era branca ou era negra, porque de alguma forma, isso no final tem importância, porque a gente sabe que a maioria de pessoas negras aqui no nosso Estados vivem uma situação mais desfavorável. Então eu falo que desde o início já começou errado, por mais que fosse algo que pegou todo mundo assim de surpresa, mas a gente percebe que realmente tem muita coisa sendo deixada a segundo plano, porque para algumas pessoas, essas estatísticas podem não ter validade nenhuma. É importante saber isso, é preciso desenvolver certos trabalhos, certas políticas de prevenção. E aí a situação piora mais ainda quando a gente vai pra dentro dos lares, em que a gente vê que muitas mulheres pretas passaram por muitas dificuldades, acho também que população no geral, mas tava muita gente dentro do seu lar, bonitinho, vivendo bem, não tendo problema de violência doméstica, o meu desejo é que todas não tenham que passar por isso. Antes da pandemia já era complicado, e aí essa pandemia veio pra alarmar mais ainda, realidades que muitos já viveram, e hoje com a pandemia tem muita coisa abafada, mas muitas coisas voltaram à tona, como a própria questão da violência.
UTOPIA NEGRA: QUAIS SERÃO OS PROJETOS PARA A SOCIEDADE MACAPAENSE, AS PRIORIDADES PARA ÁREA QUE PRETENDE INTERVIR?
Cacau: Nossa, mano. Bem difícil. Acho que só da gente tá vivendo a pandemia já é muito difícil pra gente. A gente tem percebido que as mulheres foram as mais afetadas nessa pandemia. Quando a gente joga para um contexto, por exemplo, de violência doméstica, a maioria das mulheres foram vítimas de violência doméstica são mulheres negras. E a gente sabe que os casos de violência doméstica apesar das subnotificações aumentaram muito. É algo que virou questão de saúde pública assim como a pandemia e, é uma questão não deve ser deixada de lado. Se a gente não for pra cima ficar brigando vai continuar ficando abafado. É difícil não falar algo e não direcionar para a atual presidência que a gente tem. Muita coisa se esbarra na forma como ele tem deixado de lado: “não deixa acontecer, isso não é questão minha, se mulher apanha é porque é culpa dela”. É uma frase que ele realmente já usou muito.
UTOPIA NEGRA: QUAIS SÃO SUAS PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO NEGRA DE MACAPÁ?
Cacau: Eu acho que primeiramente a gente precisa resgatar a nossa identidade afro-racial. Porque muita gente hoje, a gente percebe muito isso, as pessoas tem deixado muito de lado, né. A gente tem uma cultura muito viva que resgata todo esse contexto cultural-racial e eu percebo que tem muita gente deixando de lado. A gente precisa resgatar isso. A gente precisa levar isso para as escolas, eu acho que deveria ser matéria obrigatória nas escolas municipais. Nossas crianças crescerem e saber que a gente tem uma cultural afro-racial muito viva aqui no Estado, mas se continuar do jeito que tá as próximas gerações não vão ter a oportunidade conviver, entender e saber o que é. E uma outra coisa que eu quero trazer são a leis federais 10.639/2003 e a 11. 645/2008. Elas falam da implementação como uma disciplina mesmo, da implementação da cultura brasileira nas escolas. Essa matéria não é implementada. Ela já tem uma lei, ela já regulamentada e que precisa o Município efetivar na grade curricular, na matriz curricular do nosso Município, e isso até o presente momento ainda não foi feito. Eu acredito que isso acaba esbarrando numa questão “religiosa”, que ainda há um certo preconceito com a nossa cultura-afro aqui no Estado, aqui no Município, mas isso é uma questão de resgate cultural e uma hora isso vai ter que ser implementado e alguém vai ter que brigar por isso.
UTOPIA NEGRA: DE QUE MODO VOCÊ ENTENDE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, FEMINICÍDIO E AS QUESTÕES ESTRUTURAIS DECORRENTES DESSE CONTEXTO? COMO MUDAR ESSE QUADRO?
Cacau: Eu acho que a gente precisa de políticas de prevenção. A gente tem essas políticas aqui no Estado. Aí já vou falar de uma forma mais ampla, mais geral não só de município. Eu acho que agora é uma questão em conjunto, o município não age sozinho nessa questão da violência doméstica tem que ter um programa político que envolva uma ação conjunta do Estado, da prefeitura, do Ministério Público, do próprio Tribunal de Justiça e de todo uma cadeia que eu acho que ela pode ser realmente mais, de uma forma que a gente possa ver uma efetivação. E principalmente, eu vejo muito assim. Hoje a gente tem a Lei Maria da Penha, só que hoje eu não vejo a Lei Maria da Penha como algo que realmente dê proteção pra mulher. Eu fiz um acompanhamento de violência doméstica lá na delegacia das mulheres. O agressor da vítima pagou a fiança e foi liberado, simples. Porque a Lei Maria da Penha em relação pena não direciona o agressor diretamente para o IAPEN porque não chega a 4 (quatro) anos e, é uma “pena branda”, pagou a fiança é liberado. E aí, qual é a segurança que hoje as mulheres vão ter em relação a isso? Então, eu acredito assim. Primeiro tem que haver uma reestruturação legislativa, tem que ter uma atualização dessa lei. Se continuar do jeito que tá, a mulher vai continuar sendo agredida, ela denúncia o homem, o cara vai lá pagar a fiança e vai embora pra casa lindo e maravilhoso.E aí, as medidas protetivas? Eu particularmente nunca confiei nas medidas protetivas. Eu acredito que elas são muito falhas, não é à toa que o número de feminicídio aqui no nosso Estado tem aumentado de uma forma surreal. Então, eu acho que é todo um conjunto, é preciso a sociedade, é preciso os movimentos, pressionarem o Congresso Federal. A gente sabe que não vai ser fácil essa alteração, porque a gente tem um Congresso muito conservador e junto com o presidente. Aí a gente precisa vim para o Estado, onde o Estado também tem que ter o interesse, principalmente na assistência contra essas vítimas. Então assim, isso é questão de saúde pública, é questão de interesse público e só há realmente um interesse da sociedade, interesse do próprio Estado, quando a vítima infelizmente morre. Aí a gente ver uma comoção estadual, a gente ver juízes, a gente ver todo mundo se mobilizando. Só que a gente tem que evitar isso. Eu acho que a raiz do problema, ela tá justamente aí. E hoje a gente tem uma sociedade muito machista, muito misógina, e a primeira coisa que muita gente fala é: “essa aí gosta de apanhar. Ela tá desse jeito porque gosta de apanhar”. É como se a gente quisesse ser espancada, só que não é por aí as coisas. A gente precisa de um trabalho conjunto com o Município, com o Estado, com as Secretárias Municipais de Saúde, com as Secretárias de Assistência Social. Outra coisa, eu vejo que o próprio Judiciário poderia dar mais prioridades nesses casos, nesses julgamentos que envolvem violência doméstica até pra dar uma resposta também pra sociedade, pra família e pra aqueles que se interessam.
UTOPIA NEGRA: COMO É QUE VOCÊ ENTENDE A RELAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA COM AS QUESTÕES DE VIOLÊNCIA POLICIAL?
Cacau: Na verdade, o caso de violência policial aqui no Estado, na nossa cidade, já acontece há muito tempo. O problema é aquela história: sempre tem um assunto que vai ter um acontecimento que vai trazer o outro. E eu acho que desde a história do George Floyd as coisas começaram a ficar escancaradas. Algumas pessoas parecem que perderam o medo dessa exposição. Então, é só observar que desde o acontecimento dele muitos casos aqui no Brasil voltaram à tona. Até porque é aquela história, né. A gente sempre sofreu de violência policial aqui, o problema é que muita gente abafou. A própria corporação abafa. A gente tem que primeiro entender e perceber que a corporação polícia militar, eles são muito fechados. Eles se protegem muito, então é só ver o que aconteceu com os casos envolvendo violência policial aqui no Estado: ficaram por isso mesmo. É a mesma que digo nos casos de violência doméstica, o que acontece no final? Nada. Além do nada, a mulher é vítima de feminicídio, perde a vida e a pessoa que a matou fica por aí mesmo. Então assim, eu acho que tem coisas que enquanto a gente fizer uma estruturação legislativa, não mudar esse sistema penal que a gente tem hoje, e realmente botar pra que ele seja efetivado a gente não vai mudar essa realidade que a gente tem. Enquanto a gente não mudar o Código Penal Militar a gente não vai mudar a realidade que a gente tem. A gente hoje já tem uma justiça falha e se a gente não mudar essa estruturação penal que a gente tem vai continuar no mesmo que a gente tá, por que o que acontece com essas pessoas? Vão sofrer um processo administrativo, ninguém sabe o tramite desse processo administrativo que ele vai ser penalizado ou se não vai, porque ele acontece lá, interno e a população não tem acesso. Por mais que a gente queira ter acesso, você não vai conseguir ter acesso.
UTOPIA NEGRA: COMO A CANDIDATA OBSERVA A QUESTÃO DO RACISMO ESTRUTURAL NO AMAPÁ EM RELAÇÃO AO TRATAMENTO QUE É DADO À COVID-19 NA CIDADE?
Cacau: Olha, eu acho que não vou responder com propriedade essa pergunta. Eu acho que quando você tá na linha de frente do enfrentamento à Covid-19, você realmente pode observar como esse processo tem se dado aqui no Estado. Mas eu acompanhei muito por fora pelas informações que chegavam em mim, como acompanhava pelas redes sociais, principalmente. Então assim, a raiz da nossa sociedade, esse racismo estrutural já está enraizado a muito tempo e, é algo que infelizmente tem sido difícil da gente mudar a realidade, porque na sua base a nossa sociedade já é uma sociedade.
A estrutura hoje de governo, a estrutura de poder já é uma estrutura racista. A gente trazer isso para o contexto pandêmico, num contexto mais comparativo, é possível perceber sim a questão do racismo estrutural. Vou voltar de novo para a live que fiz o presidente da SEAFRO, o Aloizio que inclusive, é advogado também como eu. Perguntei pra ele: “Aloizio como é que tá a questão dos casos negros que foram acometidos por Covid aqui no Estado?” E, por exemplo, no início não tinha a preocupação, de no início da pandemia ter o relatório onde seria possível discriminar a raça do indivíduo. Por mais que a gente saiba que o nosso Estado é um Estado predominantemente de pessoas pretas, não era tido esse controle pela Secretária Municipal de Saúde. Isso tem importância porque a gente sabe a maioria das pessoas negras aqui no nosso Estado vivem numa situação mais desfavorável. Então, eu acho que foi algo que desde o início começou errado. Por mais que fosse algo que pegou todo mundo assim de surpresa, mas a gente percebe como realmente tem muita coisa que é deixada assim em segundo plano e para algumas pessoas essas estatísticas podem não ter validade nenhuma, mas pra gente tem. É importante dizer isso. É possível desenvolver certos trabalhos, certas políticas de prevenção. Aí a situação piora mais ainda quando a gente vai para dentro dos lares e a gente ver que muitas mulheres pretas passaram por muita dificuldade, eu acho que a população num geral, mas acho que teve muita gente que tava lá dentro do seu lar, bonitinho, vivendo bem não tendo problema de violência doméstica. Antes da pandemia já era complicado, e aí a pandemia veio para alarmar mais ainda coisas que, realidades que muitas já viviam. E hoje com a pandemia teve muita coisa que foi abafado mas muita coisa também voltou à tona, como a própria questão da violência. Essa pandemia pegou todo mundo de surpresa. Ela foi muito difícil, mas tudo que a gente ler de matéria jornalística que a gente acompanha, a população negra em si, ela foi a mais afetada e parece que muita gente, muitos políticos, muitos governos, eles tem passado pano pra isso, e é algo que me entristece bastante.
UTOPIA NEGRA: VOCÊ PRETENDE CONTINUAR DE QUE FORMA NA POLÍTICA?
Cacau: Assim, eu sou envolvida com política desde muito nova e eu sempre busquei através da política ser, porque sempre acreditei na importância que a política tem. Hoje a gente ver muitos jovens e muita gente mais velha falando não querem saber de política, que a política só acabou com a vida delas, etc. Hoje tudo que a gente decida fazer da nossa vida vai ter algo envolvido por uma questão política ou por uma decisão política que alguém tomou. E assim, eu quero continuar defendendo o que eu acredito sendo eleita ou não, eu acho que o primeiro passo é esse. Eu não mudei a minha essência e não mudar aquilo que nos faz tá hoje disputando uma vaga de vereadora. Então, eu quero continuar. Não sendo eleita eu não sei os meus próximos passos, mas eu vou continuar aqui participando de reuniões de movimentos de mulheres, participando nem que seja lá na praça da bandeira para gritar um Fora Bolsonaro. Mas eu vou continuar na minha luta diária, militando dentro do Partido dos Trabalhadores. E eu acredito que isso me moldou hoje, me fez ser o que sou hoje. Me fez ser a Cacau, candidata a vereadora que defende principalmente a luta das mulheres negras do nosso Estado. É onde eu vejo que me encaixo. Mulheres negras, jovens.
Fontes
Disponível em: <Candidaturas negras, femininas e indígenas aumentaram em 2020>
Disponível em:< Mesmo com aumento das candidaturas negras, Câmaras municipais seguem com maioria branca no país>
Disponível em:
Luana Darby Nayrra da Silva Barbosa – Mestranda em Ciências Sociais (UNESP/FCLAr). Membro do grupo de pesquisa Direitos Sociais, Cultura e Cidadania (CNPq/UNIFAP) e Laboratório de Política e Governo (LabPol/UNESP). Integrante do Utopia Negra Amapaense
Nilson Gomes de Oliveira – Estudante de Sociologia (UNIFAP) e Direito (CEAP). Membro do grupo de pesquisa Direitos Sociais, Cultura e Cidadania (CNPq/UNIFAP). Colaborador do Utopia Negra Amapaense
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