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Luta e reivindicação: gerações de resistência na comunidade de Casa Grande no Amapá

Foto do escritor: UTOPIA NEGRA - ENEGRECER A POLÍTICA AMAPAENSEUTOPIA NEGRA - ENEGRECER A POLÍTICA AMAPAENSE

Por Gil Reis



Foto: Catraia Filmes



“...Num sábado de Julho de 1962, um caminhão entra em São Francisco da Casa Grande conduzindo uma diligência policial, composta de nove pessoas (sete policiais, inclusive delegado e dois dos camponeses que disputavam a terra com os Chagas). Essa incursão policial veio se constituir, na sua forma de intervenção autocrática, no instrumento promotor do conflito armado pela posse da terra que São Francisco da Casa Grande nunca conhecera.”

A história relatada no livro A Utopia da Terra, de Osvaldino Raiol, não chega nem perto da riqueza de detalhes da narrativa da mulher pequena sentada à sombra do cajueiro enorme. Dona Josefa Menezes das Chagas, Tia Zefa para a comunidade e para qualquer um que passe algum tempo conversando com ela, ainda que próxima aos 70 anos carrega viva consigo a memória daquele dia que marcaria a longa trajetória de lutas da comunidade de Casa Grande.


São Francisco da Casa Grande


A comunidade de remanescentes quilombolas fica distante 25 KM de Macapá. Famosa pelas suas festas, as quais Tia Zefa insiste em manter nas mesmas datas que seu pai comemorava, também é célebre pelo seu açaí comercializado em batedeiras na beira da estrada. O que não percebe-se num primeiro momento sobre a Casa Grande, mas fica explícito quando sentamos para conversar, é a garra dos habitantes daquele pedaço de terra. A sua comunidade, quase que inteiramente ligada por sangue ou laços de casamento, ao longo dos anos se uniu ao redor de várias reivindicações. Primeiro e antes de tudo a luta pela permanência na terra preciosa, disputada entre parentes e pela qual o patriarca da comunidade, Pedro Santos das Chagas, pai de Tia Zefa, estava disposto a pôr a vida em risco. A história, que abre essa reportagem, é contada em detalhes fantásticos pela família Chagas, a proeza dos irmãos Pedro e Bernardo que enfrentaram os desmandos da lei e, apesar de sofrer as consequências, saíram triunfantes é relatada com o peito cheio de orgulho. "Meu pai, naquele tempo, era uma pessoa que sabia de muitas orações. Então da feita que ele rezasse a oração dele e não se mexesse do lugar podiam atirar em cima dele que não pegava" Tia Zefa explica que o pai abandou a proteção da reza para salvar o irmão, que no momento era alvo da saraivada de balas da polícia. Para salvar o irmão, Pedro levou um tiro na perna, quase nada se comparado aos adversários, que contra os irmãos Chagas tiveram três baixas. O restante do relato ainda conta com as famílias tendo que se esconder por dias na mata, a polícia por vingança destruindo as casas de farinha e matando animais, até a prisão dos irmãos Chagas, que por sua bravura passaram 6 anos 6 meses e 3 dias na prisão.


Educação, saúde e locomoção


Atualmente a maior reivindicação da Casa Grande é a construção de uma escola para atender as crianças do entorno, que hoje precisam se deslocar para o Curiaú para estudar. Uma escola de ensino infantil chegou a operar na casa de Seu Pedro Chagas, mas pela falta de manutenção, por parte do governo, foi perdida com o tempo. A promessa de construção de uma escola na comunidade se arrasta desde a segunda gestão Barcelos à frente do Governo do Estado. A família Chagas disponibilizou um terreno para a construção, que teve início na gestão Capiberibe, mas que nunca foi finalizada. Hoje apenas mato resta onde deveriam estar as fundações da escola.

A dificuldade de acesso à educação na Casa Grande se alinha com outros problemas crônicos na comunidade como o transporte público e a falta de oportunidades de emprego. Apenas uma linha de ônibus atende o entorno, a pedagoga Jeane Chagas, filha de Tia Zefa, relata como essas condições dificultam a procura por trabalho já que os contratantes não costumam chamar por causa das dificuldades de locomoção. E mesmo o acesso ao ensino superior, "Na nossa época era mais difícil, tinha processo seletivo na Unifap, nós íamos daqui da Casa Grande e passávamos o dia lá. Às vezes esquecemos algum documento e tínhamos que voltar de carro. Nós nunca conseguimos uma vaga, mas em todo processo seletivo na UNIFAP e na UEAP nós estávamos lá". Apesar de ter conseguido se formar e cursar uma especialização em faculdades privadas ela alimenta a esperança que a próxima geração vai conseguir entrar na federal "Eu vejo nas minhas filhas, eu vejo nas filhas das minhas primas. Vocês vão conseguir, a gente não conseguiu, mas vocês vão conseguir uma pública".

Para além desses problemas, a Casa Grande também não conta com uma Unidade Básica de Saúde, o que complica ainda mais a vida dos seus residentes que precisam se deslocar para outras comunidades procurando por atendimento de saúde.


A luta pela terra continua


Mesmo após tantas décadas desde a invasão à Casa Grande, a terra continua sendo cobiçada. Tia Zefa me relata em conversa privada casos como o dos sojeiros que queriam abrir uma estrada pelo seu terreno, e repete a frase que proferiu a eles "Não venha pra cá, pois se vier vai apanhar". Também se preocupa com pessoas que querem usar seu terreno como trilha para rally.

Mesmo perto do 70 anos, a bravura de Pedro Chagas ainda é uma herança que ressoa forte em sua filha, e o espírito dessa bravura é muito bem expresso numa promessa feita por Tia Zefa a seu pai antes do seu falecimento, por esse terra ela prometeu que vai lutar até o fim.






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