Por Luana Darby e Welliton Brasil
O Amapá tem a capital com o pior índice de saneamento básico do país, segundo estudo da Trata Brasil (2022). Cerca de 38,35% da população possui água potável e 10,08% possui tratamento de esgoto (SNIS, 2019; Trata Brasil, 2022). Dentre as 100 maiores cidades, Macapá está na última posição no 14º Ranking de Saneamento. (1)
Todos os anos, as chuvas são presentes no inverno amazônico, no primeiro semestre do ano. No entanto, com as mudanças climáticas, o aumento no volume pluviométrico e o não acompanhamento de políticas públicas para adaptações e mitigação da ação climática têm resultado em transtornos e tragédias à população, como a proliferação de doenças, caída de árvores, dificuldades na locomoção nas áreas urbanas e periféricas e inundação de casas, causando danos irreparáveis.
Na capital, Macapá, estima-se que foram investidos mais de 400 milhões entre 2021 e 2024 em obras de pavimentação, tubulação, recuperação de canais e pontes, como obras que beneficiaram a população, de recursos oriundos da bancada federal, senadores e Tesouro Municipal (PMM, 2025). Porém, a efetividade disso está sendo discutida pela evidente falta de instrumentos adequados para contenção do volume de água e manutenções para o escoamento de água em bueiros e canais.
No último domingo (16/02/25), vídeos e gotos foram divulgados nas redes sociais, mostrando a água invadindo casas e ruas, causando alagamentos e transtornos para as pessoas residentes em bairros periféricos, como o bairro das Pedrinhas, na zona sul. Nas palavras de um morador “Quando chove aqui, alaga tudo. Não é de hoje que esse problema acontece”,(2) disse Luiz da Silva. Os bairros também mais atingidos foram Zerão, Buritizal e Muca.(3)
Em resposta às inundações ocorridas dia 16/02, o secretário municipal de zeladoria urbana, Helson Roberto, disse ao programa de rádio ‘Luiz Melo Entrevista’ (Diário FM 90,9), a aprovação de R$ 100 milhões, através do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), para urbanização, drenagem e desdobramento das bacias que formam os canais das Pedrinhas e Beirol, na zona sul de Macapá.(4)
A Defesa Civil, mesmo com todos os seus esforços, atualmente necessita de mais recursos para operar em toda a capital. A entidade é responsável por emitir alertas municipais e estadual de chuvas e alta da maré, acionando dados do Instituto Nacional de Meteorologia do Brasil (INMET).
É urgente que a Prefeitura, a Câmara de Vereadores, o Governo do Estado e a Assembleia Legislativa resolvam a situação de modo efetivo e colaborativo. Até quando vamos viver sem um planejamento urbano com investimentos efetivos a longo prazo que evitem enchentes e que se preocupe com a mitigação de danos climáticos e dignidade do povo? Governos e parlamentares devem trabalhar para resolver esse grave problema. Cabe ao Ministério Público fiscalizar e acompanhar o trabalho ou falta de trabalho das autoridades responsáveis. E, em caso de danos materiais, a responsabilidade dos Poderes Públicos deve ser cobrada e resultar em indenização às pessoas afetadas pelas enchentes.
A Lei 11.445/2007 (5) estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. A lei define o que é saneamento básico e suas principais características (artigo 3º) . Ainda prevê a responsabilidade administrativa, civil e penal do Estado (governos federal, estadual e municipal) quanto aos danos materiais, morais e ambientais causados pela omissão e negligência na prevenção e aplicação da política de saneamento.
A norma que definiu o Marco Legal do Saneamento Básico não trata apenas sobre as medidas para manejo das águas pluviais. O artigo 3º-C prevê que os “serviços públicos especializados de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos” devem ser executados pela Administração Pública. Portanto, a Lei 11.445/2007 fala sobre o tratamento que o Poder Público deve dar em relação ao lixo urbano.
Além da lei, a Constituição Federal de 1988 preceitua no inciso XX do artigo 21 a competência privativa da União em definir diretrizes nacionais sobre o saneamento básico. Já o inciso IX do artigo 23 define a competência comum da União, estado, Distrito Federal e municípios para “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. E o inciso IV do artigo 200 relaciona como atribuição do Sistema Único de Saúde (SUS) “participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico”. Logo, percebe-se a ligação direta e indireta entre saneamento básico, moradia e saúde, direitos sociais de extrema importância para a dignidade humana.
Vale lembrar ainda que a antiga Companhia de Água e Esgoto (CAESA) foi privatizada em 2021, durante o governo Waldez Góes (PDT). As empresa atuais (Equatorial e Sam Ambiental e Engenharia) são responsáveis pelos serviços até 2056. A outorga foi de R$ 930 milhões com investimentos estimados na ordem de R$ 3 bilhões.(6)
No Estado que será subsede da COP-30 e sediará eventos que trazem como tema adaptação climática, mitigação e geração de economia, o melhor que o município e o Estado podem apresentar é como não operam de modo eficiente e planejado na zeladoria urbana e rural e saneamento básico. A população não se sente segura em suas ruas, avenidas, pontes, rios, travessas, conjuntos habitacionais. A única certeza que a população tem é a possibilidade de sofrerem mais com o descaso em áreas primordiais para vida humana - pela não atenção à saúde, segurança e mobilidade.
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Luana Darby N. da Silva Barbosa: Socióloga, Mestre em Ciências Sociais - UNESP FLar, Integrante do Laboratório de Política e Governo da Unesp (LAbPol/Unesp), Integrante do programa Jovens Pesquisadores Amazônidas para a Realidade Climática (JOPA/COJOVEM), Coordenadora de Educação no Coletivo Utopia Negra Amapaense
Welliton Brasil: Advogado, Servidor Público Federal, Mestrando em Políticas Públicas e Gestão da Educação Superior (POLEDUC UFC), Coordenador Jurídico do Coletivo Utopia Negra Amapaense
Fontes:
2.https://equinocioplay.com.br/2025/02/17/fortes-chuvas-alagaram-bairros-de-macapa-no-fim-de-semana/
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