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A luta de classes pela caneta da história

“Até que os leões inventem as suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça.”

- provérbio africano


Por: José Simão


Estátua de Borba Gato sendo queimada em São Paulo. Foto: Daniel Eduardo


No dia 24 de julho de 2021, ocorreu uma ação direta em São Paulo que queimou a estátua do bandeirante (também conhecidos como genocidas, racistas e estupradores) Borba Gato. Desta ação ecoou muitas polêmicas na internet sobre a legitimidade ou não da ação direta contra monumentos que representam “a história brasileira”, falando que começaram com as estátuas, depois seria livros e, por fim, iriam colocar fogo nas pessoas que não concordassem com as ideias de quem supostamente faria tais coisas. Bom, é importante para abrir o debate nos questionarmos sobre certos patrimônios “públicos” e sua real representação para nós enquanto povo brasileiro.


Acredito ser interessante pensarmos, de início, para qual público e por quem foram erguidos tais monumentos, que tem certa pretensão de representar nossa cultura e história ali como ícones. Uma estátua de uma persona como Borba Gato, com a história que tem, nada representa a história dos povos originários e do povo negro no Brasil. Mas ainda se constrói em volta dele uma exaltação, que ganha força pelo mito bandeirante, que é quase senso comum achar que eles saiam desbravando e descobrindo o Brasil, ajudando no desenvolvimento da nação e os estados em que pisavam, quando na verdade eram assassinos que deixavam rastros de sangue negro e indígena onde quer que pisassem, deixando no caminho as mais diversas atrocidades e traumas. Portanto, a história de quem é representada em tal monumento? Ícone para quem? A história que enxergamos e a memória cultivada e cultuada através dessa imagem é uma memória escrita pela burguesia paulista, que através deste patrimônio apresenta seus heróis como heróis universais para nós (uma forma forte de propagação da ideologia dominante). Sendo assim, passando a construir uma história do lado que sempre deteve o poder. Concordo fortemente com Walter Benjamin quando, em Teses Sobre o Conceito de História, fala que “Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”, e logo após falando que a transmissão da cultura também se faz por meio dessa. Penso também ser oportuno aqui um verso de Don L, em Aquela Fé, onde diz:

“Os ricos são os donos do Estado
Que ainda são os filhos dos senhores de escravos
Que dizimaram os índios
Compraram os revolucionários ou mataram.”

Este verso explica de certa forma o caráter da autocracia burguesa no Brasil, entende-se bem que o “progresso” e desenvolvimento é estreitamente ligado com a exploração e as relações de produção sendo modeladas e sustentadas pela força. Uma história forjada na base da barbárie. Até hoje quem continua no poder são herdeiros dos que sempre estiveram (BENJAMIN, 1987), continuando a direcionar nossa história rumo ao recrudescimento da violência e exploração.


Isso fica bem claro quando olhamos na nossa perspectiva da história e como são reprimidos os símbolos e o povo quando tentam conservar suas memórias, um grande exemplo é o Monumento Eldorado Memória, projetado por Niemeyer em 1996, em homenagem aos sem-terra mortos no massacre de Eldorado, no Pará, o monumento foi destruído duas semanas depois de inaugurado, nunca reerguido. Quando vem de nossa parte se torna crime, pois se coloca em evidência esse sistema totalmente anti-popular. Outro exemplo forte e candente é o caso dos militantes do Revolução Periférica (RP), que foram os responsáveis pela queima da estátua de Borba Gato, não deu um dia e já havia militantes presos e perseguidos, o caso mais emblemático foi do Paulo Galo, também militante pelos Entregadores Antifascistas, que foi chamado para prestar depoimento e foi surpreendido com um mandado de prisão preventiva de 5 dias, junto a sua mulher, Géssica, que sequer participou do ato, os dois tem uma filha de 3 anos de idade. Assim como o camarada de Galo, Biu, também recebeu mandado.

É angustiante pensar sobre a velocidade com que foi movida esta investigação e que foram reparados os danos à estátua de Borba Gato. Não vimos nenhuma efetividade desse tipo presente na investigação sobre o assassinato de Marielle Franco, muito menos sobre o caso dos meninos desaparecidos de Belford Roxo. O que lembra muito a frase dita pelo intelectual Silvio Almeida no programa Roda Viva ano passado: Eu acho curioso: tem gente chorando por estátua, mas não é capaz de chorar quando morre um negro.”

É fácil perceber a facilidade de criminalização da militância de quem defende a necessidade do povo tomar as rédeas da situação e buscar construir algo por si mesmo, vendo que não há esperança na institucionalidade.

A ação direta concretizada pela Revolução Periférica foi feita, diz Galo, para “abrir o debate” e é algo totalmente legítimo. O debate sobre o que realmente os atos na rua visam como objetivo, a contribuição do RP ao debate fica clara: a derrubada não só de Bolsonaro, mas também da burguesia dependente e reacionária da qual ele é só mais um representante, derrubada de qualquer monumento à barbárie contra os explorados e oprimidos, junto a derrubada deste sistema nefasto chamado capitalismo. Somado a isso, a construção do poder popular, no rumo do socialismo.

O ato político de se apropriar do passado, tornando-o alheio a qualquer conformismo que tanto favorece a classe dominante e recuperando a revolta de nossos ancestrais que ali sangraram é uma arma forte e necessária para construir uma luta realmente combativa, agora com sangue nos olhos para vingar tanto os nossos que já foram, quanto para construir algo novo para os nossos que ainda vêm, afinal, a derrubada de uma figura racista posta como ídolo ali sob o título de patrimônio “público” (sem consulta ou demanda pública de fato) é muito mais do que um fim em si mesmo, é consequente e consequência da primavera dos nossos. Foge completamente de apagamento ou destruição da história, está mais para a sua reescrita, só que dessa vez, pelas mãos do povo, impondo o nosso lado ante o lado que dominava e ainda domina, mas não sem resistência.

Rebelar-se é justo e sempre foi em nossas condições e a via institucional, aparato do próprio Estado burguês, nunca estará do nosso lado se quisermos cortar os problemas pela raiz de fato, mas já dizia Corisco: Mais fortes são os poderes do povo!

Acredito ser importante ressaltar também que, segundo Marx, o que define a história, em última instância, é a luta de classes. Somos seres agentes na história. A depredação de todo e qualquer patrimônio – que representa o lado da história dos algozes – pelos Condenados da Terra é uma das expressões das massas fazendo sua própria história, percebendo-se não mais como telespectadores desta, mas agora protagonistas.

Para finalizar, voltando ao início do texto quando falei sobre os comentários negativos sobre a ação direta, especificamente o último: a ideia na verdade é essa mesmo, convictos gritemos: fogo nos racistas!


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